Na semana passada, 06/12/2010, ouvi na Band FM uma entrevista com José Padilha, diretor do Tropa de Elite e Tropa de Elite 2. Durante a entrevista, dentre outras coisas, ele afirmou acreditar no pleno sucesso das UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora), Projeto do governo carioca para ocupação policial das favelas e motivo que desencadeou a revolta dos traficantes e toda a operação de guerra ocorrida no RJ no final do mês passado. Padilha acredita que a UPP é uma idéia revolucionária do Governador Sérgio Cabral. A parte da entrevista que me chocou foi quando José Padilha disse algo do tipo: “vejo acontecendo agora (após toda aquela guarra que vimos no início do mês) a primeira parte do filme tropa de elite 2, ou seja, a derrota do tráfico e o fim da violência nas favelas. O que não quero ver acontecer é a segunda parte do Tropa de Elite 2.” (que é o domínio das favelas pelas milícias, após a extinção dos traficantes).
Adorei o filme Tropa de Elite e mais ainda o Tropa de Elite 2. Por isso, sempre achei o diretor José Padilha um cara esclarecido, inovador e principalmente crítico, mas daquela crítica ácida que o Brasil estava precisando ouvir. Tinha imaginado, na minha cabecinha ingênua, que ele propositadamente fez uma história bem fantasiosa, de um herói contemporâneo, Capitão Nascimento, e usou-a como instrumento para dirigir um golpe certeiro nesse gigantesco esquema político brasileiro. Mas que não passava disso, fazer um filme bacaníssimo, com uma trama de tirar o fôlego, para falar a verdade, de certa forma nas entrelinhas. Mas meu queixo caiu quando ele falou na rádio como se o filme fosse um prenúncio da realidade. Como se estivesse se cumprindo a primeira parte da profecia e agora devemos torcer para que não se cumpra a segunda.
Padilha! Tenho certeza que não veremos a segunda parte do filme na vida real. Até porque nem o que aconteceu na primeira parte do Tropa de Elite é a vida real.
As milícias não vão tomar conta das favelas porque o tráfico de drogas não vai cair, por um simples motivo: o que mantém o tráfico continua firme e forte, que são os consumidores e as armas. Alguém está vendo ser noticiada alguma operação para combater o tráfico de armas? As armas estão apenas sendo recolhidas das “bocas” que foram tomadas, mas a fonte segue ativa, e provavelmente logo será alimentada por essas mesmas armas que foram recolhidas. Afinal, a polícia corrupta não sumiu do Rio de Janeiro como um passe de mágica, pelo contrário, há denúncias de que policiais inclusive auxiliaram na fuga de traficantes no complexo do alemão.
Outro ponto são os consumidores. Como barrar uma multidão de milhões, milhões de pessoas em todo o mundo (mais precisamente 400 milhões de consumidores, segundo o relatório da ONU de 2010) que buscam drogas diariamente, e que estão sem a menor capacidade de controlar seus impulsos, físicos e psicológicos, seus sentimentos, se não tivermos políticas públicas de conscientização e educação contra o consumo de drogas?
Além do mais, como pensar em uma derrota do tráfico, depois das proporções que a indústria da droga tomou nos últimos anos neste país? Na “procissão do mal” (como eram chamados os traficantes por muitos telejornais naquelas imagens de vários homens vestidos de preto descendo em fuga da Vila Cruzeiro) foram contabilizados mais de duzentos homens.
Duzentos homens, que eram apenas o pelotão da linha de frente, os que defendiam a entrada da vila. E quanto aos que faziam a vigilância de retaguarda, os que trabalhavam no refinamento da cocaína, no armazenamento das drogas? E os que cuidavam das reservas de comida, abastecimento das armas, enfim, da base militar dos traficantes? De quantas pessoas estamos falando? Centenas, milhares?
A questão principal é: porque o tráfico recruta tanta gente a ponto de criar um exército tão numeroso? Com certeza não é pelo luxo, fama, poder ou viagens para Europa. Claro que não. A massiva maioria dos trabalhadores do tráfico come o pão que o diabo amassou, vive em lugares sujos, na adrenalina de não saber se haverá amanhã, com uma expectativa de vida de no máximo 30 anos. Então o que faz com que o tráfico consiga conquistar tantos “soldados”, com uma média de idade de 10, 12 anos, e passa a construir essas crianças como criminosos e assassinos. A resposta me parece uma só: a falta de opção. Ninguém ofereceu nada melhor para aqueles que vivem na favela. O que um menino de 12 anos vai preferir, poder segurar todo o dia uma AR-15 e ganhar uma graninha para sustentar sua família ou passar fome vagando pela favela? Esses traficantes de hoje foram crianças desiludidas e sem referência. E a solução é “expulsar” a maioria dessas pessoas e matar os que vão ficando para trás? E quanto às próximas crianças que foram recrutadas, seguiremos expulsando de onde estão e matando? Não estou aqui defendendo traficantes, de forma nenhuma. Mas para mim o consumidor, e todo o esquema que cerca o tráfico é tão criminoso quanto o traficante.
Mas o objetivo do governo carioca e federal é imediatista: limpar a cidade para as Olimpíadas de 2016. Portanto, não há porque gastar dinheiro com políticas públicas de educação de qualidade para crianças e jovens da favela e incentivo ao emprego, por exemplo. A opção mais interessante é mão forte e contra-ataque violento, assim, transfere-se o tráfico para a casa do vizinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário